BOLSONARO SANCIONA LEI DA LIBERDADE ECONÔMICA COM QUATRO VETOS
Atualizado em 24 de setembro de 2019 às 8:41 pm
Na última sexta-feira (20) foi publicada na Edição Extra-B do Diário Oficial da União (DOU) a Lei nº 13.874, com quatro vetos, decorrente da conversão da MP 881, de 2019, conhecida como MP da Liberdade Econômica que havia sido aprovada pelo Senado Federal no dia 21 de agosto.
Entre as principais mudanças, a lei flexibiliza regras trabalhistas, como dispensa de registro de ponto para empresas com até 20 empregados, bem como elimina alvarás para atividades consideradas de baixo risco.
Importante também considerar que a norma aprovada separa o patrimônio dos sócios de empresas das dívidas de uma pessoa jurídica e proíbe que bens de empresas de um mesmo grupo sejam usados para quitar débitos de uma empresa.
Confira os principais pontos da norma aprovada:
- a) Carteira de trabalho eletrônica:
- – as carteiras de trabalho serão emitidas pelo Ministério da Economia “preferencialmente em meio eletrônico” – a impressão em papel será exceção. O documento terá como identificação única do empregado o número do CPF;
- – os empregadores terão cinco dias úteis, a partir da admissão do trabalhador, para fazer as anotações. O trabalhador deverá ter acesso às informações em até 48 horas, contadas a partir da inscrição das informações.
- b) Registro de ponto:
- – registros de entrada e de saída no trabalho serão obrigatórios somente em empresas com mais de 20 funcionários. Atualmente, a anotação é obrigatória para empresas com mais de 10 trabalhadores. Pelo texto aprovado, o registro deve ser feito também quando o trabalho for realizado fora do estabelecimento;
- – fica permitido o uso do registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho.
- c) Fim de alvará para atividades de baixo risco:
- – A lei dispensa o alvará para quem exerce atividade de baixo risco;
- – A definição das atividades de baixo risco será estabelecida em um ato do Poder Executivo, caso não haja regras estaduais, distritais ou municipais sobre o tema.
- d) Substituição do e-Social:
O Sistema de Escrituração Digital de Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas, que unifica o envio de dados sobre trabalhadores, será substituído por um sistema de informações digitais de obrigações previdenciárias trabalhistas.
A nova plataforma ainda não tem data prevista para lançamento.
- e) Desconsideração da personalidade jurídica:
A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo estabelecido no Código Civil de 2002 que permite que sócios e proprietários de um negócio sejam responsabilizados pelas dívidas da empresa.
O texto sancionado altera as regras consideráveis para a desconsideração da personalidade jurídica, detalhando o que é desvio de finalidade e confusão patrimonial.
Assim, estabelece que a desconsideração somente poderá atingir o patrimônio dos sócios ou administradores beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso, bem como definindo o que se entende por desvio de finalidade e confusão patrimonial.
Dentre as modificações que podem ter considerável impacto tributário está a definição de que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica, assim como a definição de que a mera existência de grupo econômico não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica.
O texto também altera o Código Civil, a fim de dispor sobre a desconsideração da personalidade jurídica (artigos 49-A e 50).
Prevê também que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos.
Por essa regra, os bens particulares dos administradores e sócios podem ser atingidos por decisões judiciais contra a empresa, em caso de abuso da personalidade jurídica. Isso ocorre quando há desvio (a empresa foi usada para lesar credores ou praticar atos ilícitos) ou quando há confusão patrimonial (ausência de separação de fato do patrimônio da empresa do dos sócios). Ainda, nem todos os sócios terão o risco de perder bens, apenas aqueles que tiverem sido beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Empresas do mesmo grupo empresarial também não podem ter seus recursos usados no caso desconsideração da personalidade jurídica da associada, a não ser no caso de desvios e confusão patrimonial.
Nesse sentido, a norma define o que é desvio de finalidade e confusão patrimonial, através da alteração do art. 50, do Código Civil:
➢ Desvio de finalidade: é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
➢ Confusão patrimonial: a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
- – Cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
- – Transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
– Outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
- f) Negócios jurídicos:
O texto muda o trecho do Código Civil que trata dos negócios jurídicos — acordos celebrados entre partes, com um objetivo determinado, com consequências jurídicas. Foi incluído um dispositivo no Código Civil que prevê que as partes de um negócio poderão pactuar regras de interpretação das regras oficializadas no acordo, mesmo que diferentes das previstas em lei.
- g) Documentos públicos digitais:
A norma em questão alterou a lei sobre a digitalização de documentos, autorizando a digitalização a alcançar também documentos públicos. Agora, os documentos digitais terão o mesmo valor probatório do documento original.
- h) Registros públicos em meio eletrônico:
A lei prevê que registros públicos, realizados em cartório, podem ser escriturados, publicados e conservados em meio eletrônico. Entre os registros que podem atender às novas regras estão o registro civil de pessoas naturais, o de constituição de pessoas jurídicas; e o registro de imóveis.
- i) Comitê para súmulas tributárias:
A lei cria um comitê formado por integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da Receita Federal, do Ministério da Economia e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
O grupo poderá editar súmulas da Administração Tributária Federal, que passarão a vincular os atos normativos praticados pelas entidades.
- j) Fundos de investimento:
Foram criadas uma série de regras para os fundos de investimento, definidos como “comunhão de recursos” destinados à aplicação em ativos financeiros e bens. A lei estabelece as regras de registro do fundos na Comissão de Valores Imobiliários, as informações que deverão constar nos regulamentos dos fundos e as regras para solicitar a insolvência.
Vetos:
Em relação ao texto final aprovado pelo Congresso, houve quatro vetos presidenciais. Um deles, eliminou o dispositivo que permitia aprovação automática de licenças ambientais.
O governo vetou um dispositivo da MP, alterado pelos parlamentares durante a tramitação, que flexibiliza testes de novos produtos ou serviços. Na justificativa do veto, o presidente argumentou que a redação, tal como veio do Legislativo, “permitiria o uso de cobaias humanas sem qualquer protocolo de proteção, o que viola não só a Constituição mas os tratados internacionais para testes de novos produtos”.
Outro dispositivo vetado permitia a criação de um regime de tributação fora do direito tributário. O veto foi solicitado pelo Ministério da Economia, segundo o Palácio do Planalto.
Além disto, foi vetado ainda o dispositivo que previa a entrada em vigor da nova lei em 90 dias. Diante disto, a MP da Liberdade Econômica já entra em vigor a partir da publicação no Diário Oficial da União (DOU), na última sexta-feira (20).
Vejamos a seguir, na íntegra cada um dos vetos que agora serão apreciados pelo Congresso Nacional:
- Inciso VII do art. 3º
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
“VII – testar e oferecer, gratuitamente ou não, um novo produto ou serviço para um grupo restrito de pessoas capazes, com utilização de bens próprios ou de terceiros mediante autorização destes, após livre e claro consentimento, sem requerimento ou ato público de liberação da atividade econômica, exceto em lei federal;”
Razões do veto
“A propositura legislativa, ao permitir o teste e oferecimento de novos produtos ou serviços para pessoas capazes, mediante autorização destes, após livre e claro consentimento, sem requerimento ou ato público de liberação da atividade econômica, contraria o interesse público ao deixar de excepcionar hipóteses de segurança nacional, de segurança pública ou sanitária ou de saúde pública, em desconformidade da previsão da redação original da medida provisória, colocando em risco a vida, saúde e segurança dos consumidores contra os riscos de produtos e serviços eventualmente perigosos ou nocivos, violando o dever do Estado de promover a defesa do consumidor, conforme previsto no inciso XXXII do art. 5º e inciso V do art. 170 da Constituição da República. Ademais, o risco de liberação de produtos ou serviços novos que sejam potencialmente perigosos à saúde pública desconsidera os termos do art. 196 da Carta Constitucional, segundo o qual a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas que visem à redução do risco de quaisquer agravos.”
Já o Ministério da Economia opinou pelo veto aos dispositivos a seguir transcritos:
- Alínea ado inciso XI do art. 3º
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
“a) distorça sua função mitigatória ou compensatória de modo a instituir um regime de tributação fora do direito tributário;”
Razões do veto
“O dispositivo proposto sugere a possibilidade de instituição de ‘regime de tributação fora do direito tributário’, trazendo atecnia à norma, o que carece de sentido, precisão e clareza em seus termos, não ensejando a perfeita compreensão do conteúdo e alcance que o legislador pretendeu dar à norma, em desacordo com o disposto no art. 11 da Lei Complementar nº 95, de 1998.”
- 9º do art. 3º
Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal:
“§ 9º A previsão de prazo específico na análise concreta de que trata o inciso IX do caput deste artigo não se confunde com as previsões gerais acerca de processamento de pedidos de licença, incluídos os prazos a que se refere o § 3º do art. 14 da Lei Complementar nº 140, de 8 de dezembro de 2011.”
Razões do veto
“O dispositivo não contempla de forma global as questões ambientais, limitando-se a regular apenas um tipo de licença específica, o que o torna inconstitucional por violação ao dever do Poder Público de prevenção ambiental insculpido no caput do art. 225 da Constituição da República de 1988, especialmente considerando a previsão expressa do § 1º, inciso IV do referido dispositivo constitucional, que impõe a exigência de prévio estudo de impacto ambiental para as atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.”
- Inciso IV do art. 19
Art. 19. Ficam revogados:
“IV – o inciso IV do caput do art. 1.033 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil);”
Razões do veto
“A propositura legislativa, ao revogar o inciso IV do caput do art. 1.033 do Código Civil, que previa a dissolução da sociedade empresária por falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de 180 dias, gera insegurança jurídica, pois os seus efeitos jurídicos não são de aplicação exclusiva às sociedades limitadas, de forma que sua retirada do ordenamento jurídico poderá gerar transtornos para as demais sociedades contratuais, simples ou empresárias, regulados pelo Direito Civil, tais como a sociedade em nome coletivo e a sociedade em comandita simples. Ademais, há contrariedade ao interesse público, tendo em vista que a exceção prevista no referido inciso IV do caput do art. 1.033 do Código Civil prestigia os princípios da preservação e função sociais da empresa, uma vez que permite a unipessoalidade superveniente e transitória, em que uma sociedade simples ou empresária, reduzida a um único sócio, seja em decorrência de retirada, exclusão ou falecimento, ou outro fator alheio à vontade, poderia se recompor no prazo de 180 dias.”
- Inciso I do art. 20.
Art. 20. Esta Lei entra em vigor:
“I – após decorridos 90 (noventa) dias da data de sua publicação oficial, quanto ao disposto nos arts. 6º ao 19;”
Razões do veto
“A propositura legislativa, ao estabelecer o prazo de noventa dias para a entrada em vigor dos arts. 6º ao 19 do projeto de lei, contraria o interesse público por prorrogar em demasia a vigência de normas que já estão surtindo efeitos práticos na modernização do registro público de empresas, simplificação dos procedimentos e adoção de soluções tecnológicas para a redução da complexidade, fragmentação e duplicidade de informações, entre outros. Nestes termos, deve prevalecer a norma do inciso II do art. 20, que estabelece a vigência imediata do projeto de lei, na data de sua publicação.”
Acesse aqui a íntegra da Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, e aqui a Mensagem de Veto nº 438 do Presidente Jair Bolsonaro.
Permanecemos à disposição para demais esclarecimentos através do e-mail agfadvice@agfadvice.com.br.
AGF Advice Consultoria Legislativa Tributária e Empresarial